POESIA EM PORTUGUÊS

Não encontro a felicidade no álcool
e também a encontro lá
Não encontro a felicidade na festa
e também a encontro lá
Não encontro a felicidade na praia
e também a encontro lá
Não encontro a felicidade no sexo
e também a encontro lá
Não encontro a felicidade na meditação
e também a encontro lá
Não encontro a felicidade no rezar
e também a encontro lá
Não encontro a felicidade no frio
e também a encontro lá                                                                                                                 Não encontro a felicidade no riso
e também a encontro lá
Não encontro a felicidade na pena
e também a encontro lá
Não encontro a felicidade nas flores50627152_245852846344933_166192604172517376_n        e também a encontro lá
Não encontro a felicidade no gelo
e também a encontro lá
Em todos os cantos do mundo
a felicidade está e não está
Em todos os cantos do mundo
as telas de Van Gogh
me perseguem
do fulgor de viver
e da paixão inelutável de ser
com os olhos fechados ou abertos
(não tem diferença)
sobre um campo infinito de amarelo
Em todos os cantos do mundo
a felicidade está e não está
Em todos os cantos do mundo
Ela me encontra.

BONECAS RUSSAS

Nested doll
Se eu não tivesse acordado…
ainda teria no meu ouvido
entre duas cortinas ao vento
o sonido aconchegante de uma onda
sempre a mesma – outra
onda
tocando
aos bordos da minha mente
aos bordos do meu respirar
Brasil
um voo
um salto
no ar
entre dois prédios
para ouvir
subindo do mar, da poeira, da estrada, do chão
os gritos
Fora, fora, fora –
Fora?

Mas o que é ser Dentro?
Dentro do mundo –
Engolido por ele
levado pelo movimento
da onda
tocando
retocando
ao meu ouvido
o sonido
de tantos gritos,
subindo-recaindo
como espuma
voltando na beira
Voltando no tempo-
1964?

Por dentro das entranhas
do mundo -buraco
espelho do sujeito
bagunçado/caótico/violento/cruel

O que tem atrás, antes, além – da corrupção -inalcancável?

Do ódio, da repetição
do mesmo, da repetição, do mesmo
será que o mesmo EU virou outro?
depois de tanta, tanta
repetição?

Quem sou eu fora-dentro esse mundo-reflexo?

Queremos é nos afundar
nas profundezas escuras do ódio?

Queremos é voltar a ser presos-
já que somos,
já que somos- presos.

Presos
numa cadeia de bonecas
que se encaixam, uma na outra
Ficamos, abrindo uma, abrindo outra,
sempre tirando uma em seguida da outra-
boneca.

Chegaremos no início
desse desvelar-se- “quem sou eu?”-
da primeira boneca russa-
original?

Lá onde cabe – a primeira mais ínfima
corrupção

Ela é tão pequena…

‘O mundo está muito doente- o homem que mata- o homem que mente’
cantou Zeca Baleiro.

Os ideais demoram para se manifestar
onde as águas estão poluídas e impedem
a embarcação de correr
atrás
de uma liberdade.
atrás
de uma vontade. – de mudar
A estrutura se autoalimenta,
Roda onde correm ratos transgênicos.
Como mudar essa roda –
Matar os ratos…(sem matá-los)?

O conhecimento primário
essa primeira boneca russa
que eu procuro
dentro de tantas camadas de desinformação
chamada jornal ou mídia ou até – ‘educação’
o conhecimento primário, é o Amor.
É o Viver.
É a União dos nossos mundos solitários.

Quando o ser humano
tomar a decisão de Ver
o quanto estamos
Organicamente ligados
o quanto nos influenciamos
assim como as estrelas
o sol, a lua, as marés…
o quanto nos trocamos
energias
e ar, e toque, e rua, e chão.

Ele encontrará o horizonte
Que garante a beleza do sol se pondo no mar

Ele sentirá
O vento que levanta a pele,
Ele trocará o ‘saber’ pelo ‘sabor’
O ‘poder’ pelo ‘pudor’
de se saber vivo
e grato – olhando
em direção ao céu.

Quando o ser humano voltar
ao poder intuitivo do auto-conhecimento
e da reflexão.
Ele meditará sobre a vida de um jeito horizontal
em com-união.
antes da primeira onda tocar
antes da primeira boneca
se desdobrar
antes da opressão se estabelecer
pirâmide infinita de opressão ao outro, que esta dentro do outro, que esta dentro do outro, que esta dentro de mim….
antes de eu quebrar a última boneca
e me perder fatalmente a mim mesma
eu penso…
se eu não tivesse acordado
ainda teria no meu ouvido
entre duas cortinas ao vento
um sonhar…
o sonido aconchegante de uma onda
um murmúrio –

Paz, paz, paz…


 

Olhar o céu
Do interior
Como se fosse
Seu
Interior
Escuro
Rosa
Feito de luz
E sombra
Estrela?
Nuvem.
Nu— vem o céu
Em cima
Desvela
Os cantos
Dos galos
Dos gatos
Dos grilhões
E milões
De pessoas
Não param
Não olham
Não ouçam
O murmúrio
Do c(s)éu
In-terior
In-quieto.

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TRAVESSAS DO DESEJO
Vontade irracional de rever você.
«Rêver» de sonhar em francês…
Já, sem querer-querendo, minha língua se mistura
com a sua, incessantemente,
num «turbilhão de pensamentos»,
numa onda-sensitiva fora da palavra.

Minha língua que valsa-vira-vadia com a sua, veemente, a jamais presa na minha boca.
Me castiga. Me agrada. Me alimenta.
Língua torta.
Língua portuguesa, brasileira, feminina, mutante.
Língua clara, na distância.

Túnel tenebroso do inconsciente que me traz, na ponta dos dedos, na febrilidade dos poros, nas curvas dos nervos, a ternura cruel do seu corpo.

Desejo-Nojo que invade, gritante, meu peito, meu sexo, meu ventre.
Desejo-Fogo que acende minha escuridão.
Desejo-Sonho sendo Realidade.
Saudade.
Vontade irracional de rever você.
Acontece toda noite, esmaece um pouco de dia,
apenas para viver. Vaporosa fumaça. Macúmba.
Você esta comigo, e sempre estará, pois nosso encontro ocorreu antes de ter ocorrido, pois nosso encontro acontece a cada dia, na angústia do vazio e do tempo que passa e me deixa sem nada, e me deixa sem tempo.

Nosso encontro tem como horizonte os nossos dois corpos deitados juntos na Eternidade, e como direção a volta do hoje sobre ele mesmo.
Nos temos agora uma atualidade sem esperança.

Eu sinto essa conexão inexplicável entre nós que não romperá, conexão que esta tão tensa como aquela corda, sobre a qual estamos ajeitadas.
Nós. Duas sombras em pleno Sol. Olhando na mesma direção.

Até cair.

Até cair do outro lado.

Até romper a trama da realidade, rasgar tudo, entrar no momento puro
e sem fronteiras nem tempo, nem hora, nem noite, Nem dia.
Até perder o Norte.
Até entrar na escuridão dos nossos dois olhares de cegos.
Olharemo-nos com as mãos, com a boca, com a língua, com os dentes.

Correremos na arreia esgotando a respiração vermelha.
Correremos até chegar ao ponto da estrada que tem fim em forma de duna
Que tem fim em forma redonda de cama
Que tem fim com parede abrindo pelo mar, pela eternidade de um renascimento
Sem fim.

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O ELEFANTE DESENGONÇADO ganesha

Você tem que criar a confusão sistematicamente,
isso liberta a criatividade. Tudo o que é contraditório
cria vida.
– Salvador Dalí

O elefante banhava no rio, sorrindo e oscilando sua tromba, sentindo cada poro da sua pele molhar, brilhar, sanar. Depois, ele voltou para o campo verde, deitou na grama para secar. Ele percebeu que tinha um céu tudo a atravessar, mas esqueceu que asas, ele não tinha, e afundou no chão. Afundou na lama. Gritou. Afundou mais. Gritou outra vez. Ficou preso. Já era. Já era preso. Será que tinha libertação possível? Libertar-se do sofrimento, sendo sempre preso à cadeia da condição animal, da condição humana, da condição própria. De ser. Há de libertar-se primeiro da idéia romântica e ilusória de liberdade. Aceitar o avanço lento, passo após passo, na terra, no chão, em direção à aceitação dessa mesma condição. Passo de rato. Passo de elefante. Elegante. Grosso. Um passo. Dois passos. As vezes, parece que os pés, viram por dentro. Parece que o passo. Recua. Avança. Passo um. Passo dois. Os pés doem. E o peso. Do corpo. Doi. Mais. O elefante esqueceu. Que asas. Não tinha.

Aceitação do sofrimento e também do elefante, elefante sendo ego e coragem ao mesmo tempo…. ganesha ganesha ganesha…me ajude a ser mais, a seguir trabalhando, ampliando cada vez mais minha consciência, minha compaixão, meu sentimento humano, meu coração.

Aceitação do sofrimento e também da alegria. Aceitação do movimento, balanço, da incerteza, do rio turbulente e do mar. Aceitação do cansaço. E da força nova que nasce do suor como chuva azeda depois do trabalho. Aceitação da desilusão. Sem cair no cinismo. Ser pragmático. Sabendo. Sabendo da magia. Voltar à sua intenção primária.

Libertar-se libertar-se libertar-se. Libertar ao Outro.

“De quê? Se a liberdade não existe? Será que tem que libertar-se mesmo?” se pergunta o elefante desengonçado. Será que minha busca é vá e apenas o produto do ego que me mantém preso? E se, depois de ter encontrado o gosto falso da liberdade, eu fico querendo, querendo, querendo… o gosto real? E se não tiver. Gosto. Nenhum. Ah… minhas papilas se encontrariam decepcionadas. Ah… a eterna busca de sensações enquanto somos feitos. De sensações.

O elefante banhava no rio, sorrindo e oscilando sua tromba, sentindo cada poro da sua pele molhar, brilhar, sanar. Sentindo cada borbulho de água, e, as vezes, o medo da correnteza fazia os pelos se erguer. Rigidez macia de pele de elefante.

Libertar-se, libertar-se, libertar-se. Libertar ao Outro. A voz segue sem mim e ressoa.

Ou seja que libertar-se é apenas questão de viver? VIVER mesmo?

Celebrar o pragmatismo mágico. A libertação é um processo de ampliação da consciência da impermanência. A liberdade é um estado de espírito e não tem objeto nenhum. É a consciência da consciência sendo mundo inconsciente, mágico, onde tudo é possível, onde o ser se encontra pura luz.

Assim o elefante que avança passo após passo, consciente das suas limitações, transcende sua cadeia enquanto durma. Enquanto sonha. Do outro lado da vida. Criando borboletas.

E, criando, pouco a pouco, passo a passo, ele vai formando a vida, a moldando um pouco mais perto do sonho que já se confundiu com o real, nunca igual mas com mais desapego e então menos decalagem. A decalagem existe quando o EU não vive plenamente algo, qualquer coisa que seja. O estado de desapego, também estado de receptividade, não permite decalagem. De fato, quando entramos nele, aceitamos as coisas como elas são, as emoções saem, de repente, com mais naturalidade e, porém, menos violência. O elefante chora. Desengonçadamente. As suas lágrimas são como pérolas sagradas que têm poder de transformação.

O estado de desapego deixa espaço para a luz entrar, para a magia operar, para o canal se abrir. Para o céu. Sem medo, o Ser verdadeiro surge com a altura do antigo faraó Toutânkhamon se levantando de arreias imemoriais. O Ser verdadeiro surge. Com toda sua beleza magnífica e seu sofrimento, seu perfume suave de flor de jasmin e seu cheiro horrível do Rio Ganges.

Celebrar o pragmatismo mágico. Não é questão de acreditar, nem de esperar. É só deixar a porta da mente. Entreaberta. Para o Outro. O Selvagem. O Diferente. Escutar o vento. A liberdade sempre residirá nesse lugar immaterial e intocável da mente e também do corpo inteiro. De cada sensação. Lugar das experiências místicas e avessas surpresas. Mundo de elefantes com passo de bailarina. Das contradições que derretem e se confundem sob um sol de cor roxa. Ametista. Lugar onde a confiança cega de uma vida infinita surfa com inúmeros pássaros de asas gigantes. Asas, eu tenho.

Esse lugar, todo mundo tem acesso. É o mundo. Da imaginação. (Ou é que se chama vida?) Là, dentro do sonho do elefante desengonçado.


 

Ressaca de Carnaval

Brincar. Brincar Carnaval. Brincar para fugir e se encontrar- Outro. Mexer, mexer. Mexer seu corpo- e a alma vai, voa, vai- seguindo. Se perder nas veredas desconhecidas de um desejo. Proibido. Tentação de ser. Feliz? De ter. Verdade? ‘Vamos nos perder?’

Perder-se como um achar a se saber – Perdido. O grande desapego- e a tentativa de se livrar do pensamento- entrar na mais alta meditação comum. Prender a respiração. Penetrar no vazio cheiroso. Desaparecer. Solidão engolida pela boca faminta da multidão. Lucidez colorida do engano sob um sol de chumbo.

Brincar. Brincar Carnaval. Se fantasiar de Outro. Brincar o fim do mundo. Desaparecer. E Aparecer. Num piscar de olho. Entrar no mundo paralelo. Exibir uma liberdade maior de se poder -Tudo. Desmaiar, desmaiar, desmaiar, desmaiado. ‘Desequilibrar- desequilíbrio’. ‘Desequilibrar- desequilíbrio’.

Dançar. Entrar no jogo, na brincadeira. Colocar uma nova máscara. Multiplicar as possibilidades do ser. Se desidentificar. Ser homem, mulher, sapa, frango. Comer à toa, comer ao outro- ‘lei do antropofagismo’. Entregar-se, entregar-se, empurrar, mergulhar. Mas como é que se pode mergulhar se não tiver mar? Se tudo o que tiver é chão e pedra e ladeira e suor? Se tudo o que tiver é uma onda de gente tirando onda no embalo de uma dor? Profunda, alegre, superficial? Hipocrisia do Carnaval.

E se a vida fosse apenas isso? Subir e descer. Ladeiras.

Hipocrisia do pensar. Chega de frescura, você é igual a todo mundo. Apenas um outro ser humano. Ordinário. Trivial. E se a vida fosse apenas isso- Carnaval?

‘Eu não sei e não me importa, eu tenho raiva daqueles que sabem.’ Eu sinto pena dos que dizem ter atingido a maldita sabedoria. E inveja. Também. Também. Eu não sou carreta, eu quero é- farra; eu quero é- beijar na boca. Deixar a vergonha desmaiar no ar como vapor de loló. Eu quero é- esquecer.

Esquecer- relembrando que a vida é um errar.

O tempo se enrola no lençol da ilusão de um presente já passado.

Cinza cinzenta de uma quarta-feira ingrata de Carnaval. Obrigando a voltar. Voltar a que era e já se foi; voltar a que era e não encontrar mais nada que o reflexo do Outro- sorrindo. Tristonho. Voltar a fingir que tem rumo.

Voltar ao disfarce maior da invisibilidade.

E depois do Carnaval? E depois do Carnaval?

Parar de mexer o corpo. Corpo cansado de se ter tanto mexido, alma debruçada na calçada de um sonhar. Matar aquele bicho aí dentro que se tornou autónomo, aquele bicho que se criou e que luta agora pela própria vida. Entidade mística. Carnavalesca.

Calar. Calar. Ficar calado. Voltar a se esconder atrás dos farrapos renovados do cotidiano. Despedir-se do homem da meia noite. Apagar o último cigarro.

Sair da confusão fantasiada, e entrar na confusão real.

Esperar o próximo Carnaval.


 

O MAGNETISMO DO RIO
Tomei na minha boca a tua mão
Tomei na minha mão a tua boca
virou onda virou onda virou onda virou mar

Embarquei

Eu senti no teu corpo um fluxo
Rio
atravessando cada porto do meu ser
cada ancoragem
cada nó
cada ponto
poço

Eu senti no teu corpo um frio
Rio
abrindo cada porta do meu ser
até não tiver mais portas
paredes ou nó ou ancoragem ou porto ou poço
‘Posso?’

Lambei

Da minha boca surgiu
teu pensamento materializado
um cabelo meu
uma pedra

Saiste
Saiste – Rio
aquela noite
do teu leito

E sai
Sai junto

Para me transbordar

Transbordei.